Toni Casadura cochilava em sua banca, ao som de uma bossa nova. Ao
seu redor, camelôs ofereciam a altos brados os produtos, atrapalhando
seu sono. Ele, enfim, abriu os olhos e bocejou, percebendo um garoto
magricela na sua frente. Despertou de imediato.
– Olá! Em que posso ajudar? – usou a voz macia de negócios.
O garoto, de uns 17 anos no máximo, fixou o olhar nas mãos. E murmurou:
– Eu queria uma poesia.
– Quê?
– Eu queria uma poesia.
– Um pouco mais alto, meu filho.
– EU QUERIA UMA POESIA – o menino berrou, enrubescendo em seguida.
Toni sorriu:
– Ah! Já sei. Para alguma pretendente?
– Mais ou menos – o garoto sussurrou. Toni pediu para ele sentar-se numa cadeira dobrável ao lado da banca.
– Então, vejamos – o vendedor animou-se. – O que vai ser? Poesia de amor, de alegria, de amizade?
– Eu queria… Uma declaração de amor.
Toni pegou seu caderno de amostras e ofereceu-lhe ao cliente. Enquanto o garoto olhava-o, foi tagarelando sem parar:
– As poesias são todas originais, de minha autoria. Tem de todos os gêneros e de todos os gostos. Também trabalho com crônicas, contos e artigos, se se interessar. Ei, qual é mesmo seu nome? Augusto? O meu é Casadura, Toni Casadura; já ouviu falar sobre mim? Ah, sim, viu o anúncio no jornal. E para quem é a sua poesia? Áurea? Um bonito nome. Já escolheu? Foi rápido. O preço? Deixa eu ver, cada poesia custa 2 paus.
Augusto então mostrou a poesia que escolhera:
Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra…
Toni sorriu, aprovando a escolha, e suspirou que aquela era uma das melhores poesias que já escrevera. Foi transcrevendo a poesia em um papel azul, com letras caprichadas. Enquanto isso, o jovem, nervoso, olhava para os lados, enroscando uma nota de dois na mão.
Quando ia receber o pagamento, Toni deu outro sorriso exagerado. O garoto tinha as pálpebras demasiadamente abertas e já abria seus lábios, mas foi interrompido por um grito:
– Toni Casadura, você está preso!
Toni, tão logo viu o policial, preparou-se para correr, mesmo sem saber o motivo. No entanto, foi pego por outro homem fardado, que o algemou. Algumas pessoas pararam a gritaria de preços e observaram a cena, boquiabertos.
– Eu?! Preso?! Por quê?!
Os dois policiais trocaram olhares. O que agarrara Toni era gordo e o que emitira a ordem de prisão, alto e magro como uma vara. Ambos carregavam um cassetete novo e brilhante.
– Por uso indevido da poesia – o magro respondeu. – Estamos na sua cola há dias, Casadura. Graças ao nosso espião, temos provas conclusivas contra você.
Augusto, o espião, não falou nada. Sentia-se meio culpado. Toni o xingou intimamente.
– Esse crime não existe! Eu não fiz nada de errado. Quem são vocês? Quem? – o vendedor quase chorava.
O magro, que parecia ser o porta-voz, falou:
– Somos a FBL, Federação Brasileira de Literatura. Esse órgão é novo, daí sua ignorância. Lutamos pelos direitos autorais dos escritores.
– Mas eu não fiz nada de errado! – Toni repetiu. – Todo mundo uma vez ou outra parafraseia um verso!
– Sim, e não podemos impedir isso. Mas podemos impedir tipos como você, que além de plagiar e enganar o cliente, ainda cobra o serviço. E depois esse mesmo cliente usa o poema como sendo de sua autoria, formando um ciclo vicioso! Estamos cortando o mal pela raiz, seu marginal!
Toni remexia-se, tentando inutilmente se livrar das algemas.
– Foi só dessa vez, juro! Normalmente sou eu mesmo quem escrevo. Por favor, por favor!
– Soldado, leve o meliante para a viatura – o policial magro dirigiu-se ao gordo, que deu um aceno e tirou Toni do meio dos camelôs.
O policial que ficara deu um tapinha amigável nas costas de Augusto.
– Bom trabalho – disse, antes de ir atrás do seu parceiro.
Augusto ficou sozinho na frente da banca por uns instantes. Depois, pegou do chão o poema do Toni – de Neruda, na verdade – e o enfiou no bolso. Áurea ia gostar.
– Olá! Em que posso ajudar? – usou a voz macia de negócios.
O garoto, de uns 17 anos no máximo, fixou o olhar nas mãos. E murmurou:
– Eu queria uma poesia.
– Quê?
– Eu queria uma poesia.
– Um pouco mais alto, meu filho.
– EU QUERIA UMA POESIA – o menino berrou, enrubescendo em seguida.
Toni sorriu:
– Ah! Já sei. Para alguma pretendente?
– Mais ou menos – o garoto sussurrou. Toni pediu para ele sentar-se numa cadeira dobrável ao lado da banca.
– Então, vejamos – o vendedor animou-se. – O que vai ser? Poesia de amor, de alegria, de amizade?
– Eu queria… Uma declaração de amor.
Toni pegou seu caderno de amostras e ofereceu-lhe ao cliente. Enquanto o garoto olhava-o, foi tagarelando sem parar:
– As poesias são todas originais, de minha autoria. Tem de todos os gêneros e de todos os gostos. Também trabalho com crônicas, contos e artigos, se se interessar. Ei, qual é mesmo seu nome? Augusto? O meu é Casadura, Toni Casadura; já ouviu falar sobre mim? Ah, sim, viu o anúncio no jornal. E para quem é a sua poesia? Áurea? Um bonito nome. Já escolheu? Foi rápido. O preço? Deixa eu ver, cada poesia custa 2 paus.
Augusto então mostrou a poesia que escolhera:
Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra…
Toni sorriu, aprovando a escolha, e suspirou que aquela era uma das melhores poesias que já escrevera. Foi transcrevendo a poesia em um papel azul, com letras caprichadas. Enquanto isso, o jovem, nervoso, olhava para os lados, enroscando uma nota de dois na mão.
Quando ia receber o pagamento, Toni deu outro sorriso exagerado. O garoto tinha as pálpebras demasiadamente abertas e já abria seus lábios, mas foi interrompido por um grito:
– Toni Casadura, você está preso!
Toni, tão logo viu o policial, preparou-se para correr, mesmo sem saber o motivo. No entanto, foi pego por outro homem fardado, que o algemou. Algumas pessoas pararam a gritaria de preços e observaram a cena, boquiabertos.
– Eu?! Preso?! Por quê?!
Os dois policiais trocaram olhares. O que agarrara Toni era gordo e o que emitira a ordem de prisão, alto e magro como uma vara. Ambos carregavam um cassetete novo e brilhante.
– Por uso indevido da poesia – o magro respondeu. – Estamos na sua cola há dias, Casadura. Graças ao nosso espião, temos provas conclusivas contra você.
Augusto, o espião, não falou nada. Sentia-se meio culpado. Toni o xingou intimamente.
– Esse crime não existe! Eu não fiz nada de errado. Quem são vocês? Quem? – o vendedor quase chorava.
O magro, que parecia ser o porta-voz, falou:
– Somos a FBL, Federação Brasileira de Literatura. Esse órgão é novo, daí sua ignorância. Lutamos pelos direitos autorais dos escritores.
– Mas eu não fiz nada de errado! – Toni repetiu. – Todo mundo uma vez ou outra parafraseia um verso!
– Sim, e não podemos impedir isso. Mas podemos impedir tipos como você, que além de plagiar e enganar o cliente, ainda cobra o serviço. E depois esse mesmo cliente usa o poema como sendo de sua autoria, formando um ciclo vicioso! Estamos cortando o mal pela raiz, seu marginal!
Toni remexia-se, tentando inutilmente se livrar das algemas.
– Foi só dessa vez, juro! Normalmente sou eu mesmo quem escrevo. Por favor, por favor!
– Soldado, leve o meliante para a viatura – o policial magro dirigiu-se ao gordo, que deu um aceno e tirou Toni do meio dos camelôs.
O policial que ficara deu um tapinha amigável nas costas de Augusto.
– Bom trabalho – disse, antes de ir atrás do seu parceiro.
Augusto ficou sozinho na frente da banca por uns instantes. Depois, pegou do chão o poema do Toni – de Neruda, na verdade – e o enfiou no bolso. Áurea ia gostar.
1 humor 1 tto kafkaniano, mas com desfecho interessante, quase singelo. mas o conto redondinho, por assim dizer. me deu até vontade d te dedicar uma poesia d minha autoria:
ResponderExcluirTu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.
agora deixa eu correr antes q a FBL volte.