Resenha: S. Bernardo - Graciliano Ramos

quarta-feira, 19 de junho de 2013




Autor: Graciliano Ramos
Editora: Record
Páginas: 272 p.
Publicação Original: 1934

Um homem de alma agreste

Esse talvez foi um dos livros mais sinceros que já li. Isto porque o protagonista e narrador, Paulo Honório, desfia sua vida de modo direto e duro, sem se ater a descrições minuciosas. São digressões de um homem forçado a escrever, para quem sabe entender-se.

Depois de tentar construir o livro com uma divisão de trabalho entre ele e seus amigos, o que não traz resultados satisfatórios, Paulo Honório ouve o pio de uma coruja e decide recomeçar a escrita, levado por uma força quase mística.



Tenciono contar a minha história. Difícil. Talvez deixe de mencionar particularidades úteis, que me pareçam acessórias e dispensáveis.(...) De resto isto vai se arranjando sem nenhuma ordem, como se vê.
(pág. 11 e 12)

Assim, Paulo Honório nos conta sua vida. Ele teve uma infância e adolescência difícil, trabalhando no eito. Seu único desejo era se apossar da fazenda S. Bernardo, o que conseguiu à base de algumas trapaças. Até certa parte do livro, ele narra como conseguiu a fazenda, sua luta para cultivar as terras e as discussões políticas da época.

Os personagens secundários aparecem constantemente, mas não têm uma grande importância. A história gira em torno de Paulo Honório, de S. Bernardo e dos pensamentos do protagonista. E, como ele próprio explica, há fatos suprimidos, pois Paulo escreve o que acha interessante.

Na outra parte do livro, conhecemos mais a fundo sua rotina familiar. Paulo casa-se com Madalena, uma professora, com o intuito de formar uma família. Ela, uma mulher inteligente, logo vê as injustiças sofridas pelos empregados da fazenda. Quando Madalena tenta mudar a situação, seu marido não entende. Ele não aceita mudanças, seu meio sempre foi aquele: o patrão sempre pôde tudo. Sua rudeza foi causada pelo ambiente.

Tudo piora ainda mais quando Paulo Honório começa a desconfiar que Madalena o trai. A dúvida (imaginária) passa a atormentar a ambos e as pessoas que os rodeiam. Nesse período nasce seu filho, por quem ele não sente absolutamente nada.

Paulo Honório afasta todos e termina sozinho, o pio da coruja a acompanhá-lo. O retrato que traça de si é triste. A ironia é que ele, que sempre achou os livros desnecessários, escreve para poder acabar com a solidão dos 50 anos. E quando revê sua existência e todos os seus erros, percebe que só restou um vazio.



O que estou é velho. (...) Cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta casca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada.
(pág. 216)

A escolha

segunda-feira, 17 de junho de 2013



A chuva caía sobre o corpo magro da garota. Sua solidão era constante e o seu futuro, incerto. Não sabia o que fazer para reencontrar-se. O mundo lhe pertencia e lhe fugia.

Mas, mesmo com as gotas embaçando seus óculos, ela ainda conseguiu vê-lo. O ponto entre suas vontades e seus medos. Ele sorriu ao longe e acenou, chamando-a. Dizendo com gestos que a escolha era dela.


Ela hesitou, limpou os óculos. E pela primeira vez na vida caminhou em direção ao sol.

(17/06/13)


Observação

terça-feira, 11 de junho de 2013

A vida sempre é legal com quem não presta. Foi isso que aconteceu com Billy T., um homem bonachão e de riso fácil, que gosta de contar piadas sobre sua vida amorosa picante. Ele mora num casarão, com vista para o mar, embora até hoje ninguém saiba como enriqueceu. Narcotráfico, diziam os sussurros, e há anos a polícia o persegue, à procura de pistas ou de algum deslize. Mas Billy também não é idiota.

A única família que tem é uma filha rebelde de 16 anos e dois sobrinhos postiços, que o acompanham em seus "negócios". Suas piadas sujas os encantam, principalmente a Cataputa, uma montanha humana de músculos. Rip é mais calado e sorri discreto (quando sorri). Mas isso não desanima Billy, que toda noite, no jantar - hora sagrada -, continua seu monólogo feliz, nem se importando que a filha o ouça. Não que ela ouça, só mexe no celular, comendo pouco. Acha o pai um porco nojento e se a mãe não lhe obrigasse a visitá-lo, nunca iria à casa dele.

Esta noite Billy contou outro caso do que significa o T em seu nome. Todos os dias tem uma nova história e a de hoje é previsível: uma espanhola, entre um orgasmo e outro, o chamara de tesão. E o apelido pegara. Cataputa soltou uma gargalha sonora, ria de qualquer merda que o chefe falasse. Então a mesa ficou uns minutos em silêncio, enquanto Billy terminava sua macarronada, até que o telefone da garota tocou. Ela saiu quase correndo da sala, um raro sorriso tênue no rosto. Certamente era Mia, sua namorada gótica e esquisita, que tinha sérios problemas psicológicos.

Billy olhou a filha saindo e franziu o rosto.

- Por que essa tal de Mia liga tanto? Até na hora do jantar.

Cataputa debochou:

- Você sabe, sua filha prefere brincar de boneca que de carrinho.

- Ahn?

- É que ela não gosta muito de varinhas - o outro falou.

Billy coçou a face:

- Por que estamos falando de Harry Potter? Seja mais claro.

Rip revirou os olhos para Cataputa e foi direto:

- O que ele quis dizer é que sua filha é lésbica. E Mia é a namorada.

- Ah, é. - Billy T. concordou. Às vezes era mais lento que o normal. - Tinha me esquecido disso. Pensei que era brincadeira da mãe dela. E você devia guardar seus comentários para si, Cat.

Cataputa corou, e desculpou-se solenemente.

Billy fez sinal para ele parar. 

- Ok, ok. O jantar está ótimo hoje, Tom, usou alguma receita especial?

- Não, só tomate apodrecidos - respondo, sorrindo.

- Você é o cara, Tom. - ele ri, espalhafatosamente, e pede a sobremesa para a serviçal.

Deixo meu prato de lado. Cozinho para Billy há quase um ano e divido a mesas com eles durante as refeições, o que é uma honra. Sou especialista em comida italiana, segundo meu currículo, e também agente federal. Me infiltrei aqui para tentar destruir o esquema das drogas, mas em menos de dois meses Billy descobriu tudo. Então ele dobrou meu pagamento e me tornei agente duplo, colho informações policiais secretas, mas desconfio que Billy só me deixou viver por causa da comida que faço.

Bem, não importa, agora sou totalmente fiel a essa nova família.

(Será?)









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