K. e L.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

 Bom dia, senhor K., trouxe os seus remédios.

Enquanto a enfermeira depositava a bandeja na mesa de cabeceira, K. sentou-se  na beirada da cama, mal-humorado. Mas não pôde deixar de notar o nervosismo da moça, que tremia um  pouco. Olhou atentamente para ela, desconfiado:

 O quê que há, garota?

Sorrindo, ela disfarçou seu estado.

 Nada, senhor K. O doutor Caio já vem te ver.

Quando a enfermeira saiu, ele tomou os remédios com asco e começou a ler o jornal da manhã. Na coluna social, viu uma nota que o regozijou: sua biografia, lançada uma semana atrás, estava no topo dos mais vendidos.

 Toma essa, L.   disse para si mesmo, mas sua felicidade desvaneceu assim que lembrou do outro. Largou o jornal ao ouvir batidas na porta. Era o médico.

K. lhe indicou a cadeira de vime e o jovem médico limpou a garganta.

 Senhor K.  embora mais controlado que a enfermeira, havia uma sombra em seu semblante –,  infelizmente vim lhe trazer uma má notícia. Como sabia, o estado do paciente L. era delicado. Você é o único elo dele aqui na casa de repouso, portanto achei que devia te contar primeiro. L. faleceu esta manhã, em paz. Nós sentimos...

K. deixou de escutar. Desde que L. mudara de quarto, sabia que ele estava mal. E quando esconderam a situação dele, adivinhara que definhava.

Levantou-se da cama antes mesmo do jovem terminar o assunto. Pegou a bengala e seguiu para a porta.

 Ok. Vou para o pátio  disse.

O doutor afastou-se para ele passar, um pouco espantado com sua frieza. Porém, já acostumara-se com essa indiferença, por isso só suspirou e voltou aos seus afazeres.




A manhã estava úmida. K. sentou-se num banco vazio, pensando no que aconteceu: enfim se livrara do seu rival. Há décadas ele ficava em seu caminho, atrapalhando seus planos de dominar o mundo. A partir do primeiro contato, tornaram-se inimigos jurados. Salvar a humanidade era fácil, mas, para destruí-la, era preciso conhecê-la. E esse conhecimento podia fazer um homem escurecer por dentro. K. sentia-se assim e por vezes L. tentava salvá-lo de si mesmo, o que o deixava possesso por sua bondade.

K. nunca conseguiu dominar o mundo, mas tentou até esgotarem suas forças. Também tentou vencer L., fosse por inteligência ou força. Conseguia vezes sim, vezes não. Era um duelo equilibrado. No final, ambos se aposentaram e foram para uma casa de repouso, por coincidência a mesma. Ainda tiveram diversos confrontos, como o de lançar a biografia simultaneamente para ver quem vendia mais. K. percebia agora que eram essas disputas que os mantinham sãos. A relação dos dois, embora antagônica, mostrava-se totalmente dependente. Precisavam um do outro para continuarem sendo herói e vilão.

K. olhou o céu, saindo da imensidão de lembranças. Certamente, L. fora o melhor rival que poderia ter tido.




Se passara alguns dias desde a morte de L. K. estava sentado na cadeira do quarto, vendo velhos recortes de jornais da época de vilão. O telefone tocou e ele atendeu sem pressa.

– Alô?

 K., você já viu os jornais?  era seu agente, em tom urgente.  As vendas do livro do L. dobraram.

Apesar de desejar estar exasperado, um sorriso tomou seu rosto. O desgraçado do L. reagira.






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