Duas poesias de Manuel Bandeira

sexta-feira, 30 de novembro de 2012


(Manuel Bandeira, por Cândido Portinari)

Consoada 

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.



Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

– Eu faço versos como quem morre.


(Poesias recolhidas do livro Estrela da vida inteira)


Uma homenagem a um dos grandes poetas brasileiros, que eu tenho prazer em ler!


O dia anterior

segunda-feira, 26 de novembro de 2012



Não parece tão difícil trabalhar somente uma vez por ano. Um único dia no mês, 24 de dezembro. Normalmente, as pessoas folgam nessa data. Não eu. E o que faço de simples não tem nada.

Sou o papai Noel. A alegria das crianças. O bom velhinho. Você deve estar pensando: papai Noel não existe, que papo furado é esse? Mas existo. Sou parte de uma Organização que, por alto, visa reavivar a solidariedade. Criada há séculos, estende-se por quase todo globo. Cada país tem um representante, porém os membros vieram de um mesmo berço: clãs e famílias finlandesas.

O Brasil associou-se muito depois da criação da União Natalina. O meu tatatata não sei das quantas fixou-se aqui e então “surgiu” o natal brasileiro. Já perdi a conta dos papais noéis que haviam antes de mim, o único que conheci foi o que substituí. Ele não morreu, como é o habitual: acusaram-no de pedofilia, teve que ser afastado. O velho não tinha filhos, por isso fui tirado às pressas de meu emprego de gerente para ocupar esse importante cargo. Estou nessa há mais de 10 anos. Ao contrário do que o povo imagina, não sou velho nem gordo. Acabei de completar 42.

Moro numa mansão em Itatiaia, no Rio. Se não fosse o clima e os perigos que passo no meu emprego, até viveria bem. Entretanto, meu gene é acostumado ao frio da Finlândia. Só vou lá durante as reuniões bianuais, para discutir as condições trabalhistas e saber dos novos patrocinadores.

Foi na Finlândia também que fiz o curso para aprender a arrombar portas. Já houve casos de papais noéis abatidos no trabalho, pois o proprietário da casa pensara que estava sendo assaltado ao invés de presenteado. Por essa razão deixamos de usar o vermelho berrante e passamos ao preto.

No início da Organização, os próprios papais noéis fabricavam os presentes. Mas a demanda dobrou e de uns tempos para cá temos que comprá-los. E como vocês conseguem tanta grana, é a sua pergunta. Simples: patrocínio. Na década de 1930 conseguimos o apoio da Coca-cola e a partir daí fomos atrás dos nossos direitos. Reivindicamos a nossa parte de tudo que é reproduzido e tem por símbolo o papai Noel. Ou seja, muita coisa. Também começamos a receber uma comissão. Quem trabalha de graça é relógio.

Agora, no século XXI, houve uma mudança crucial: as crianças não querem mais carrinhos e bonecas. Pedem video-game, celular, câmera fotográfica, Iphone. Acham que sou o papai Noel (Hô hô hô). Graças ao aumento do mercado natalino, é possível atendê-los. Isso quando não me pedem a paz mundial e a igualdade social, como se eu fosse Deus. No mais, compro tudo pela internet com um descontão.

O natal é um negócio capitalista, disso não há dúvida. Vários setores investem e lucram com ele. O que não é uma surpresa neste mundo em que as fontes de lucro tornaram-se imprescindíveis. Eu, confesso, também aproveito. O dinheiro que é destinado aos milhões de crianças não é justamente aplicado. Isso porque há os que não creem em nós e também os analfabetos. E sem cartinha não tem presente, não posso adivinhar quem é bom ou mau. A grana que sobra vai pro bolso do papai aqui.

A meia-noite da véspera de natal é cansativa. As renas não sobreviveram ao calor brasileiro e os duendes negaram-se a vir. Faço tudo sozinho, numa van, nas poucas horas que possuo. Uso meus dons marginais para adentrar as casas das crianças boas, deixo o presente e procuro o biscoito. Não são muitas as casas que contêm esse quitute, os pais não acreditam no papai Noel, embora não saibam explicar a origem do presente. Fingem que compraram, na ilusão tão típica deles.

Depois do serviço, volto para minha mansão e assisto o final de algum filme ruim. Desse dia em diante, estou livre para voltar a ser o empresário enternado que sempre fui, até o próximo natal. Às vezes, quase esqueço-me do motivo dessa comemoração. Quando lembro, o tão mencionado – mas raramente praticado – espírito natalino envolve-me e acendo uma velinha, cantando monotonamente um parabéns-pra-você.



Hyvää joulua!

Caminho de Sangue

terça-feira, 20 de novembro de 2012



Vês! Sobre teu sono pungente
Cai do céu os cristais da vida
O anjo da morte, que decadente
Enegrece tua alma adormecida

És belo, és jovem! Te leva ao fim
Falácias de um rei que servil acorda
Nas nuvens, as crianças, sopram um clarim
Da sombra de Hades, tão morta

Os sonhos diáfanos desmentem
A realidade que guarda o horror
Os teus olhos mais nada sentem

Tua vida separa-se da dor
Quem sabe, até, cubra-te o amor
E os caminhos de sangue te alentem


Heitor Villa
in Poesias Vermelhas
 

A Lua Torta

quarta-feira, 14 de novembro de 2012


Prêmio Dardos

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O Prêmio Dardos, prestigiado e desejado no mundo dos blogs, reconhece o mérito diário a cada blogueiro que com amor e dedicação faz espalhar o seu conhecimento e criatividade, tornando-o disponível para todos na web. De acordo com as regras, devemos:  exibir a imagem do selo no blog, colocar o link do blog de quem se recebeu o prêmio, escolher outros blogs para receber o selo Prêmio Dardos e avisar aos escolhidos.

Tive a honra de ter sido escolhida pela Lu Rosário. Entre os cinco blogs escolhidos estão:


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ℓiвrυ ℓυмєท

O toco da coruja

Sibilinos

de Dai para Isie

Nas entrelinhas

Por vezes pensava em como seria comer carne humana. O gosto é bom? Parecido com o da galinha? Imaginava por vários minutos, quase sentia o sabor na boca. Mas esses pensamentos eram estranhos até para alguém como ele, então logo os esquecia, enterrando-os no dia-a-dia. E nas palavras.

Ele é escritor. Um poeta qualquer. Publicara um livro de poesias, praticamente desconhecido pelo público. Vendia pouco. Apesar disso, investia em sua carreira, trabalhando no jornal local; lá entrava de modo mais fácil em contato com editores.

Estava coletando material para o novo livro. Seria sobre o canibalismo no século XX, um assunto que rondava frequentemente sua cabeça, após conseguir um emprego de meio período no cemitério. No jornal não ganhava o suficiente para pagar as contas, foi preciso encontrar uma ocupação alternativa. Embora mórbido, ser coveiro era prático e não tomava muito tempo: ele só trabalhava quando alguém morria.

Entretanto, depois que arranjara esse emprego, seus pensamentos resumiam-se em somente uma coisa: carne humana. Não sabia por que. Por isso resolvera tentar aquietar essa obsessão colocando-a no papel. Estava dando certo, ao que aprecia. Ao que parecia.

***

Enquanto folheava uma revista de piadas, o jovem vendedor viu entrar na livraria uma bela moça. Corpo escultural, cabelos loiros e curtos. Aproximou-se do balcão.

– Com licença – começou, um sorriso tímido no rosto – Estou procurando o livro Poesias Vermelhas, de Heitor Villa.

Ele fechou a revista.

– Daquele escritor que acabou de lançar um livro sobre zumbis?

– Sobre canibais – ela corrigiu.

– Ah, certo. Gosta de poesias? Aposto que já serviu de musa para muitos escritores.

A garota enrubesceu.

– Na verdade, não gosto muito de poesias. Gosto desse escritor. Sempre leio o que escreve no jornal.

O vendedor sorriu, charmoso:

– Se quiser posso conseguir um autógrafo. Meu tio é tipógrafo no jornal.

– Sério? – ela disse, eufórica – Seria um grande favor!

Ele afastou-se do balcão e seguiu para uma estante atrás dele. Depois de uma breve procura, tirou de lá um exemplar do livro de poesias.

– Não tem vendido muito. Poesias muito pesadas. – falou – Por outro lado, o de canibais não para aqui. Olha, deixe o livro aqui comigo. Na segunda peço o autógrafo. Aí, é só me dar seu telefone para combinarmos a entrega.

A moça hesitou, mas assentiu:

– Tudo bem. Obrigada. Será maravilhoso ter um autógrafo de Heitor Villa!

Anotou num papel seu número de telefone e perguntou o preço do livro.

– Para uma garota linda como você, é de graça. – o vendedor lançou-lhe um olhar sugestivo.

***

GAROTA É ENCONTRADA ESQUARTEJADA NO BAIRRO MARTINS
Segundo as autoridades locais faltavam várias partes do corpo

Ele releu a manchete que já havia decorado. No prato, um bife mal passado, ainda com sangue. O jornal era velho, de uma semana atrás, e a polícia já descobrira quem cometera o crime. Foi um dos vendedores da livraria que a moça frequentava. Ele, claro, negou tudo. Até chorou.

Heitor mesmo a enterrou, apesar de não ser mais coveiro. Um ato de agradecimento. Ela foi encontrada com um exemplar do seu Poesias Vermelhas, aberto quase de propósito no poema mais violento do livro. Bastou isso para que as vendas dele dobrassem.

A vida do escritor mudara desde o lançamento  de Dias de canibal. Uma relativa fama, um dinheiro bem-vindo. Contudo, seus pensamentos perturbadores não acalmaram-se. Continuava a pensar, a sonhar, com o sabor da carne humana. Uma vez, quando ainda era coveiro, cortara o dedo de um defunto. Mas não teve coragem de comê-lo, no fim das contas.

Quando olhava as pessoas, só via carne. Quando mirava-se no espelho: carne. Quando tentava escrever, só lhe vinha poemas sobre sua obsessão. Sentia-se culpado por não ser normal. Culpado pelo que guardava no congelador, mas nunca usava.

Até ao escrever semanalmente seus contos no jornal sentia-se mal. Pois percebia que escondia os reais fatos do leitor. No entanto, queria intimamente que eles lessem as entrelinhas, as confissões subentendidas que punha em cada trecho do texto.

Mas sabia que ninguém descobriria. As palavras encobriam-no bem.

(Heitor Villa)

A morte não me impressiona

segunda-feira, 5 de novembro de 2012


A morte não me impressiona
Há tempos deixei de me importar
Os corpos caídos
Teus olhos perdidos
A me olhar, a me olhar
A delicadeza que irrompe
Dos toques agora frios
Pálida, tu já dormes
Com um fugaz suspiro
Não me importo com a morte
Nem com o que ela pode roubar
O meu coração partido
Procura o último abrigo
No teu olhar






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