A minha biblioteca é o meu hárem

sábado, 29 de setembro de 2012


 Olho para as centenas de livros no meu gabinete e apercebo-me que não toquei na maior parte deles depois de os ter lido ou dado uma vista de olhos pela primeira vez. Mas nem sequer considero a hipótese de me desfazer deles – então, e se eu quiser abrir este ou aquele um dia destes? Gastei o meu último dinheiro tanto a adquirir novos livros como em prostitutas. Comprar livros novos é um prazer muito diferente do prazer de ler: examinar, cheirar, folhear um livro novo é a própria felicidade. 
 Os livros dão-me confiança pela sua disponibilidade, de que posso sempre aproveitar-me se quiser. O mesmo acontece com as mulheres – preciso de muitas delas e têm de se abrir à minha fente como os livros. Na verdade, para mim, os livros e as mulheres são semelhantes de muitas formas. Abrir as páginas de um livro é o mesmo que afastar as pernas de uma mulher –o conhecimento revela-se à nossa vista. 
Todos os livros têm um odor próprio: quando abrimos um livro e cheiramos, cheiramos a tinta, e é diferente em cada livro. Rasgar as páginas de um livro é um prazer inenarrável. Mesmo um livro estúpido me dá prazer quando o abro pela primeira vez. Quanto mais esperto for, mais me atrai, e a beleza da capa não é importante para mim. Isto não é necessariamente verdade para as mulheres. 
Tal como uma mulher se pode vir com qualquer homem habilidoso, assim um livro se abre a qualquer um que lhe pegue. Dará o prazer da sua sabedoria a quem for capaz de o compreender. Por isso sou cioso dos meus livros e não gosto de os dar a ninguém para ler. A minha biblioteca é o meu harém.

(Alexander Pushkin)

O caminho da ruptura

quinta-feira, 27 de setembro de 2012















Eu não sei o que fazer
Tudo está tão embaçado
Viver ou morrer?
É difícil escolher
A razão já não importa
Há tempos ela foi embora
Eu ando para trás
(Nada me satisfaz)
Pequenos pontos na memória
Lembram o que já passou
E a cada passo
Não sei para onde vou
Não avisto o meu futuro
Afundo-me neste presente
Ele é doloroso
Ferida latente
E mesmo assim eu continuo
Sei que nunca irei parar
Pois o que me impulsiona
É o desejo de te encontrar
No meu caminho
Não há flores ou espinhos
Mas vejo seus olhos
Eles estão em mim
Minha história se dispersa
Confunde-se com minha dor
Será que o que sinto
É loucura ou amor?
E continuo meu caminho
Por ele eu ando sozinho
Quando irei te encontrar?
Não vou parar de procurar
Minha mente se embaralha
Ofusca na solidão
Mas eu continuo
Sigo minha ilusão.

(25/09/12)

À Álvares de Azevedo

domingo, 23 de setembro de 2012




Como acabei de ler Lira dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo, resolvi postar minha poesia preferida do livro e homenagear este grande autor, que morreu jovem, mas deixou uma linda obra!


O POETA

Era uma noite: - eu dormia...
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti...
Meu Deus! por que não morri?
Por que no sono acordei?

No meu leito adormecida,
Palpitante e abatida,
A amante de meu amor,
Os cabelos recendendo
Nas minhas faces correndo,
Como o luar numa flor!

Senti-lhe o colo cheiroso
Arquejando sequioso
E nos lábios, que entreabria
Lânguida respiração,
Um sonho do coração
Que suspirando morria!

Não era um sonho mentido:
Meu coração iludido
O sentiu e não sonhou...
E sentiu que se perdia
Numa dor que não sabia...
Nem ao menos a beijou!

Soluçou o peito ardente,
Sentiu que a alma demente
Lhe desmaiava a tremer,
Embriagou-se de enleio,
No sono daquele seio
Pensou que ele ia morrer!

Que divino pensamento,
Que vida num só momento
Dentro do peito sentiu...
Não sei!... Dorme no passado
Meu pobre sonho doirado...
Esperança que mentiu...

Sabem as noites do céu
E as luas brancas sem véu
Os prantos que derramei!
Contem do vale as florinhas
Esse amor das noite minhas!
Elas sim... que eu não direi!

E se eu tremendo, senhora,
Viesse pálido agora
Lembrar-vos o sonho meu,
Com a fronte descorada
E com a voz sufocada
Dizer-vos baixo: - Sou eu!

Sou eu! que não esqueci
A noite que não dormi,
Que não foi uma ilusão!
Sou eu que sinto morrer
A esperança de viver...
Que o sinto no coração!

Riríeis das esperanças,
Das minhas loucas lembranças,
Que me desmaiam assim?
Ou então, de noite, a medo
Choraríeis em segredo
Uma lágrima por mim!
Dorme, meu coração! Em paz esquece
Tudo, tudo que amaste neste mundo!
Sonho falaz de tímida esperança
Não interrompa teu dormir profundo!
Tradução do Dr. Octaviano

Fui um douto em sonhar tantos amores...
Que loucura, meu Deus!
Em expandir-lhe aos pés, pobre insensato,
Todos os sonhos meus!

E ela, triste mulher, ela tão bela,
Dos seus anos na flor,
Por que havia de sagrar pelos meus sonhos
Um suspiro de amor?

Um beijo - um beijo só! eu não pedia
Senão um beijo seu
E nas horas do amor e do silêncio
Juntá-la ao peito meu!
_____

Foi mais uma ilusão! de minha fronte
Rosa que desbotou
Uma estrela de vida e de futuro
Que riu... e desmaiou!

Meu triste coração, é tempo, dorme,
Dorme no peito meu!
Do último sonho despertei e n'alma
Tudo! tudo morreu!

Meus Deus! por que sonhei e assim por ela
Perdi a noite ardente...
Se devia acordar dessa esperança,
E o sonho era demente?...

Eu nada lhe pedi: ousei apenas
Junto dela, à noitinha,
Nos meus delírios apertar tremendo
A sua mão na minha!

Adeus, pobre mulher! no meu silêncio
Sinto que morrerei...
Se rias desse amor que te votava,
Deus sabe se te amei!

Se te amei! se minha alma só queria
Pela tua viver,
No silêncio do amor e da ventura
Nos teus lábios morrer!

Mas vota ao menos no lembrar saudoso
Um ai ao sonhador...
Deus sabe se te amei!... Não te maldigo,
Maldigo o meu amor!...

Mas não... inda uma vez... Não posso ainda
Dizer o eterno adeus
E a sangue frio renegar dos sonhos
E blasfemar de Deus!

Oh! Fala-me de amor!... - eu quero crer-te
Um momento sequer...
E esperar na ventura e nos amores,
Num olhar de mulher!
Só um olhar por compaixão te peço,
Um olhar mas bem lânguido, bem terno...
Quero um olhar que me arrebate o siso,
Me queime o sangue, m'escureça os olhos,
Me torne delirante! 


(Álvares de Azevedo)

Kopakawana

sexta-feira, 21 de setembro de 2012



– Senhora Kopakawana, senhora Kopakawana?

Ele bateu na porta, esbaforido. Era um homem alto, meio atrapalhado  e continha uma adoração sem igual no rosto. Continuou a bater, rápido, até a porta se abrir.

Uma bela senhora o fitou com irritação. Seus lábios estavam vermelhos, como se tivesse bebido sangue.

– O que é, lacaio? – ela falou.

O lacaio entrou aos tropeços na suíte do hotel. A adoração misturava-se com o temor.

– Ó minha deusa! Temos que ir embora daqui!

Kopakawana aproximou-se da janela, distraída, apreciando a vista do último andar. O dia estava abafado e ela usava um leve vestido branco, contrastando com seus irados olhos negros. Depois de alguns momentos, pareceu lembrar-se do servo, e replicou, desdenhosa:

– Que tolice! Por que eu iria sair deste paraíso? Agora que consegui restaurar meu poder, não o deixarei!

Ela torceu os lábios. Viera ao desconhecido Brasil para tentar estender sua supremacia, abalada após séculos de esquecimento. Os humanos eram facilmente corruptíveis, mas, com todas as novas religiões que surgiram, o culto à deusa Kopakawana enfraqueceu, até desaparecer. Por isso, agora Kopakawana empreendia viagens a lugares desconhecidos do mundo, para reestabelecer seu culto. Ouvira falar do Brasil e que no Rio de Janeiro supostamente havia um local em homenagem ao seu nome, e ela não perdera tempo em alcançá-lo.

O lacaio preocupou-se com a intrepidez da deusa:

– Senhora! O deus deles não a quer aqui! Não sente isto?

– Besteira! Ele não pode fazer nada. Com todas essas traições e desconfianças humanas, as pessoas precisam ainda mais de mim, a deusa que protege os casamentos e dá fertilidade! Em pouco tempo, abandonarão este outro deus.

Ela sorriu ao proferir estas palavras. Sim... Com sua influência, os humanos perderiam a fé no deus cristão. A corrupção já existia neles, bastava somente despertá-la. E isto Kopakawana fazia com perfeição.

O homem suspirou. Demovê-la do seu intento era praticamente impossível. Mesmo assim, ele temia a fúria do deus cristão. Já escutara do que este era capaz.

Vendo a preocupação do lacaio, Kopakawana riu-se:

– Relaxe! Aproveite as férias! Deixe tudo por minha conta. Logo que terminarmos por aqui, voltaremos para a Bolívia. Agora, acho que vou lá fora, curtir o litoral...

– Ãh, senhora – o lacaio começou, timidamente, apontando para a janela –. Está chovendo.

Kopakawana olhou com raiva as manchas cinzentas que tomaram o lugar da luz. Em seguida, gritou para as nuvens:

– Velho sacana!

O vingador de sangue

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Se um homem derrubar outro por ódio, ou lhe atirar qualquer coisa premeditadamente, causando-lhe a morte,(...) o que ferir será punido de morte, porque é um assassino: o vingador de sangue o matará logo que o encontrar.
                                                                                                                                   Números  35-20,21


A pedra acertou o crânio. Enquanto o sangue empapava o rosto da vítima, o outro continuou golpeando, até a face ficar inenteligível e respiração cessar.
O homem jogou a arma de lado, limpando o sangue na túnica. Fitou o corpo e impiedosamente o chutou, com  todo ódio que possuia. Em seguida, ergueu o olhar para os que acompanhavam sua vingança. Seus familiares não apresentavam nenhuma emoção, mas sabia que eles sentiam-se triunfantes. Almejavam essa morte tanto quanto ele.
Afastou-se daquele círculo de pessoas que formara-se. Desejava ficar sozinho. Andou um pouco e foi a um pequeno descampado, onde ajoelhou-se e agradeceu a Deus a chance que lhe dera. Como Vingador de sangue, ele tinha o direito e também a responsabilidade de desforrar a morte do irmão. Entretanto, ainda demorou alguns dias para encontrar o assassino, que covardemente fugira depois do crime. Claro, não pôde escapar da justiça divina e agora jazia morto, com a mesma arma com que cometera o ato vil.
O Vingador de sangue terminou sua prece e levantou-se. Uma parte dele estava assombrada com o que fez, mas a outra achava-se orgulhosa. Ele não queria de modo algum ser consumido por uma culpa descabida, então deixou mais uma vez o ódio guiá-lo. Era o único sentimento que suportava carregar, porque, assim que iniciou sua vingança, foi manchado pela morte. E quando a morte mancha uma vida, não há mais como apagá-la.

 (Elaine Rocha, 06/09/12)

O sacrifício

terça-feira, 4 de setembro de 2012


Eu queria que a palavra morte não fosse ruim
Que ela fosse intraduzível, não trouxesse o fim
Queria ter uma última chance para errar
Antes do meu corpo nesta fogueira queimar
Qual a linha entre o pecado e a inocência?
Creio que ela só exista na consciência
Todos os meus atos terminam aqui
Meu corpo foi amarrado em trêmulo frenesi
Sou acusada injustamente do que não fiz
Nada neste espetáculo louco condiz
O fogo torna-se o meu cobertor
Sob ele sinto as asas da dor
Onde está Deus, aquele senhor brutal?
Por que Ele não vem aqui e tira-me deste mal?
Meu sangue jorra e as pessoas em volta riem
Sei que meus olhos fecharão até que os pássaros piem
Eu só queria uma única, uma última chance...
Para antes de morrer beijar meu delator e amante.

(26/08/12)








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