Do meu coração partido

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013


Peguei o caminho mais árduo e longo para ver se ele acabava em você
Mas para minha surpresa, descobri que você escolheu um atalho, e vetou a passagem
Talvez eu tenha demorado demais.Talvez não tenha sido a hora certa. Talvez. Esta resposta me irrita profundamente, porque você costumava dizê-la. E a repetia e zombava e ria
(De mim? Para mim?)
Com o caminho vetado, fui obrigada a dar meia volta
O mundo de solidão me aguardava
Mas, outra surpresa
Você também estava naquele canto solitário, com sua onipresença
Dizia "me desculpe, mas é assim, é assim. Você entende?"
Eu não entendia. Ou entendia, já nem sei
Só deixei que me abraçasse, e tentasse curar a dor que me causou
No fim, uma certeza restava:
Até ter o coração partido por você me trouxe prazer.


A Brusca Poesia do Homem Amado

segunda-feira, 28 de outubro de 2013






 Para o meu amado


O meu amor é vertiginoso
Quando mais se dá mais se tem
Meu amor é a eterna esperança da chuva que nunca vem
Meu amor é a poesia que ninguém lerá
É a celebração das suas qualidades inexistentes
Meu amor é o vício que corrói as suas entranhas
O beijo inadiável em cada uma das pestanas
Quando você diz que me odeia, lá está o meu amor
Porque ele talvez seja a indiferença revolvida na dor
Meu amor é o cinismo e também o sarcasmo
É a pele aveludada recendendo a marasmo
Meu amor é a primeira prostituta com quem você dormiu
O seu pai, a sua irmã,  aquela que te pariu
Meu amor é o adolescente já amadurecido
Que depois, em seu caminho, fica um pouco perdido
Meu amor é treva, é sombra, é um clarão
E embora você não compreenda também é seu coração
O meu amor é um tapa na sua vida certinha
É a mulher-fera ou uma doce menininha
Meu amor é a sua visão doente de catarata
O seu sorriso quebrado que perpassa a alma
Meu amor é a vida explodindo em cores
É o seu corpo morto envolto de flores
O meu amor é a coragem que você sempre provou
Mas também a covardia daquele que nunca amou
O meu amor é o seu tórax, sua coxa, seu corpo inteiro
A pessoa que você vê quando olha no espelho
O meu amor é o tempo que nunca muda
É a sua boca me chamando de vagabunda
O meu amor é como as mentiras que você conta para mim
As mesmas mentiras que me levarão ao fim
O meu amor é o pecado, da ira até o ócio
Meu amor só está completo quando aplicado ao seu ódio.


Outro poema para você

quinta-feira, 17 de outubro de 2013



Para JLM


Eu me apaixonei pelo seu sorriso
Este sorriso meio debochado, meio antigo
Que evoca todas as eras do mundo

Eu me apaixonei pelos seus olhos escuros
Sempre tão maldosos, nunca inseguros
Que provocam e anseiam o meu corpo

Eu me apaixonei por suas grandes mãos
Calosas e firmes, que me tiram do chão
Envolvendo-me num abraço que faz voar

Eu me apaixonei pela sua voz
Pelo modo como ela vibra em mim
E se prende na alma, faz dançar

Eu me apaixonei pelo seu toque
Que em questão de segundos fica suave ou forte
Acelera meu coração, em um caminho de fogo

Eu me apaixonei pelo o que você é
Alguém em que posso depositar minha fé
Que me inspira a ser melhor

Eu me apaixonei por você
E isso mudou tudo

Eu te amo

O início e o fim

sábado, 12 de outubro de 2013

I. O primeiro dia:


- Me diz você, então, o que é amor!

- Segundo o dicionário Aurélio, amor é um sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem, um sentimento de dedicação absoluta. É também uma inclinação ditada por laços de família ou uma inclinação sexual forte por outra pessoa. É afeição, amizade, simpatia. Ou o objeto do amor... Mas, se quiser uma explicação mais curta, o amor é simplesmente o que sinto por você.
(Xícara azul quebrada, p. 71)



Nunca gostei de finais felizes. Sempre preferi um final mais dúbio, por assim dizer, que foge dos clichês. Um último parágrafo áspero, condizente com a realidade. Sem os exageros que se veem em muitos livros.

Foi nessa época de insatisfação literária que eu a conheci. Não, a reconheci, porque ela já parecia existir em mim há tempos. Desde criança, era um garoto tímido e reservado, que esconde-se atrás de um romance. Isso rendia vários apelidos ofensivos, contudo não me importava. Permaneci assim até pelo menos meus vinte anos, depois passei a ser alguém relativamente "normal".

Aos quinze anos, costumava ir muito à biblioteca municipal. Meus pais não sustentavam meu vício, portanto eu tinha que me virar. A melhor alternativa era a biblioteca, com um leque de opções mais abrangente. Eu passava horas e horas em meio aos livros, o corpo como que preso às páginas. Meus autores preferidos eram os que quase ninguém gostava. Aqueles que podiam ser qualquer pessoa que encontrássemos na rua.

Eu não esperava encontrar uma pessoa especial. Tinha quinze anos. Era retraído. Vivia na biblioteca. Mas, tal como as reviravoltas de um livro, aconteceu. Eu me apaixonei. Numa certa manhã, entrei na biblioteca e a vi, na recepção. Passei por ela rapidamente, não prestei uma real atenção. Fui para o cantinho perto dos livros de teatro. Depois de umas três horas, ouvi uma voz ao meu lado.

- Oi, já estamos fechando.

A voz era adulta e comum, um pouco grave, ou rouca, não sei discernir até hoje. Ela me olhava ansiosa, consultando o relógio. Era bonita, olhos azuis e opacos, os cabelos negros e brilhantes. Uma frase percorreu minha mente: de que livro ela tinha surgido? Não parecia ser uma mulher real.

Devo tê-la encarado demais, porque ela passou dedilhar os dedos na capa do livro que segurava. Sabia que a mulher queria ir embora, porém eu queria ficar e fixá-la eternamente na cabeça.

- Você me escutou?

Não, eu não tinha escutado. Olhava sua boca agora, o modo como ela franzia e desfranzia de segundo em segundo. Em seguida, desviei os olhos para a sua mão e reparei no livro apertava. Para minha surpresa, era o melhor livro que eu já lera, Xícara azul quebrada.

- Esse é o meu livro preferido - murmurei.

- Ah, agora você fala. Olha, eu disse que tenho que fechar, é o meu primeiro dia aqui... Espera aí, o que você disse?

Identifiquei de pronto a mudança de olhar dela. Era o olhar que eu também continha: o de uma leitora que amava de livros, mas não possuía um amigo para compartilhar seu ânimo. Tinha encontrado a minha metade.

- Xícara azul quebrada é meu livro preferido - repeti.

Ela sorriu. Senti um formigamento no peito.

- Eu amo esse livro! O autor é pouco divulgado, entretanto, é magnífico. Desculpe, não me apresentei, sou Ana. A bibliotecária provisória enquanto a minha tia está de licença.

- Prazer, Vinicius.

Apertamos as mãos. Ana ainda sorria, nem parecia lembrar do motivo que a levou até ali. Resolvi não recordá-la.

- João da Silva criou uma obra-prima! - Ela continuou, empolgada. Estava linda, linda. - Falar do relacionamento de um casal, com seus verdadeiros altos e baixos, é o que diferencia de outros livros por aí. E a gente sabe que no final eles não ficarão juntos, mas torce do mesmo jeito. Emocionante!

Concordei. Era um livro que contava uma história real, doce e dura, como a vida. De histórias assim que eu gostava, conforme falei. Conhecer outra pessoa que gostava de ler deixou-me em êxtase. Só leitores sabem como é essa sensação.

Ana parou de sorrir. Infelizmente, lembrou-se do seu dever.

- Vinicius, adorei te conhecer. Tenho que fechar a biblioteca agora, mas amanhã finalizamos esta conversa.

Me dirigi à saída, acenando da porta. Fiquei um minuto parado, vendo-a trancar as janelas. O modo como a luz incidia em seu rosto tornou essa imagem inesquecível.



II. O último dia


Tudo aconteceu de forma suave. Sem fúria, sem choque, sem uma lágrima sequer. Tanto que me perguntei se era mesmo o fim.
(Xícara azul quebrada, p. 200)



Os vinte e seis dias que vivi com ela foram maravilhosos. Estendi o tempo na biblioteca só para vê-la mais. Nos tornamos grandes amigos, líamos e ríamos juntos. Pela primeira vez, eu não estava sozinho.

Pude conhecer Ana em sua totalidade. Ela era muito especial, conservava um brilho travesso no rosto, apesar dos seus quase trinta anos. Era doce, tão doce. Lia para as crianças e criava histórias próprias, todas sem sentido, mas divertidas. Eu me encantava com cada parte sua que descobria.

Debatíamos os clássicos da literatura com ardor e não concordávamos em nenhum argumento. Ela até ficava chateada, às vezes, e era bela quando ficava assim. Ana sempre acabava rindo dessas discussões. Nem parecia que havia a diferença de 14 anos entre nós. Eu me encontrei nela. Fiquei mais alegre.

Mas eu sabia que aquilo não duraria tanto quanto desejava. As horas voaram e o dia derradeiro chegou. Tentei não ficar ansioso, o que mostrou-se impossível. Ela ia embora. Ia distanciar-se de mim. Cheguei à biblioteca arrasado.

- Oi – disse, logo que me aproximei dela.

Ana fechou o livro que folheava e sorriu, radiante. Pensei que a encontraria melancólica, triste porque não nos veríamos mais. No entanto, ela se achava tão animada quanto nas outras semanas.

- Oi! E então, o que vamos fazer hoje?

- Não sei, o que você quiser - respondi.

Ela percebeu minha tristeza. Segurou minhas mãos e as apertou.

- Não fique triste. Nós vamos manter contato. Não é porque irei embora que a amizade tem que acabar.

Ana não compreendia. Ela era a fonte da felicidade. Agora que não a veria mais, eu voltaria a ser solitário. E eu me acostumei em ser feliz. Como viver sem a luminosidade dela?

- Eu amo você! Eu preciso estar com você. - as palavras saíram antes que eu pudesse pará-las.

Ela não se surpreendeu. Seus olhos encheram-se de ternura.

- É comum na sua idade se apaixonar por alguém mais velho, com quem dividiu sua vida. Mas você vai superar. É uma atração, somente. Ainda irá amar muitas e muitas vezes. Com o tempo eu perderei a importância, serei uma lembrança.

- Não é só uma paixão passageira, Ana! Você é a pessoa que mais amo nesse mundo!

Algumas crianças entraram na biblioteca. Ela os observou por um minuto, voltando a me olhar em seguida. Ela estava sofrendo. Nunca a vira triste dessa forma.

- Você não está conseguindo ver a razão, Vinicius. Esse amor é impossível, e por vários motivos.

Eu me recusava a acreditar nisso.

- Pensei que você gostasse de mim. Que eu significava alguma coisa.

Ana se afastou, uma pequena lágrima traçando seu rosto. Tive vontade de abraçá-la. De acalmá-la.  

- Eu gosto. - ela falou, a voz mais rouca que o normal - Eu... Amo. Eu te amo. E por isso preciso ser justa com nós dois. Você é jovem demais, vai entender no futuro. Acho melhor você ir.

Eu fui. Olhei a linda face de Ana, a face que nunca mais veria, e saí da biblioteca.


Uma semana depois, recebi uma carta dela. Não respondi. Não quis estragar o nosso final perfeito. 

 (11/10/13)


Amor

sábado, 31 de agosto de 2013



Admito que queria tê-lo completamente dentro de mim. Até nossos corpos se encharcarem na mais pura forma de amor, uma repetição das imagens que tenho em minha mente.

Ver o prazer refletido em seus olhos, sentir suas mãos me estimulando e doar minha inocência a você me dariam uma satisfação tão completa que eu esqueceria os meus medos. Só te abraçaria e me entregaria sem reservas, como uma boa aluna prestes a ficar má.

Nossa dança duraria a noite inteira e eu aprenderia os seus passos ou criaria novos. Impregnada da sua pele, decoraria seu cheiro de homem nu. Toda a excitação traria mais excitação, uma casa feita somente de desejo.

E você se enroscaria em mim antes de penetrar-me, apalpando, mordendo e tocando minhas partes mais sensíveis, para em seguida eu fazer o mesmo. Quando a dança chegasse ao último passo, estaria esgotada, transbordando em algo que nem sabia conter.


Meu corpo tornar-se-ia, assim, uma extensão do seu.

Projeto de Divulgação

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Olá!
Hoje vim aqui para falar de um projeto muito legal, proposto pela Sarah Vitoria, do blog Nerd Com Chiclete. O projeto, em resumo, é isso: um blog faz um post divulgando outro, em parceria. Quem quiser participar, é só deixar o link do seu blog nos comentários. A única condição é que o blog tenha mais de um ano.

O Nerd Com Chiclete já fez seu post me divulgando, agora é hora de retribuir.


O blog da Sarah Vitoria foi criado há um mês, e contém de tudo um pouco: músicas, design, moda, contos e curiosidades em geral. E caso você queira ver outra coisa, pode dar sua sugestão via ask. Então, você também faz o blog, o que deixa tudo mais divertido.

Gostaram? Então visitem, não vão se arrepender!

A Vigília de Hero - Manuel Bandeira

domingo, 18 de agosto de 2013


Hoje vou publicar uma das minhas poesias preferidas, de um autor que adoro. Além de linda, é baseada numa história da mitologia grega, se quiser saber um pouco mais é só acessar aqui





A VIGÍLIA DE HERO
(Manuel Bandeira)


Tu amarás outras mulheres
E tu me esquecerás!
É tão cruel, mas é a vida. E no entanto
Alguma coisa em ti pertence-me!
Em mim alguma coisa és tu.
O lado espiritual do nosso amor
Nos marcou para sempre.
Oh, vem em pensamento nos meus braços!
Que eu te afeiçoe e acaricie...

Não sei por que te falo assim de coisas que não são.
Esta noite, de súbito, um aperto
De coração tão vivo e lancinante
Tive ao pensar numa separação!
Não sei que tenho, tão ansiosa e sem motivo.
Queria ver-te... estar ao pé de ti...
Cruel volúpia e profunda ternura dilaceram-me.

É como uma corrida, em minhas veias,
De fúrias e de santas para a ponta dos meus dedos
Que queriam tomar tua cabeça amada,
Afagar tua fronte e teus cabelos,
Prender-te a mim por que jamais tu me escapasses!

Oh, quisera não ser tão voluptuosa!
E todavia
Quanta delícia ao nosso amor traz a volúpia!
Mas faz sofrer... inquieta...
Ah, como poderei contentá-la, jamais!
Quisera calmá-la na música... Ouvir muito, ouvir muito...
Sinto-me terna... e sou cruel e melancólica!

Possui-me como sou na ampla noite pressaga!
Sente o inefável! Guarda apenas a ventura
Do meu desejo ardendo a sós
Na treva imensa... Ah, se eu ouvisse a tua voz!



(Do livro Estrela da Vida Inteira, de Manuel Bandeira, editora Nova Fronteira)

Reações

sexta-feira, 16 de agosto de 2013


Uma sensação que começa no estômago e se concentra no ventre, passando nas coxas e enfraquecendo as pernas. Depois volta pelo mesmo caminho, tão devastadora quanto fogo, crava-se no coração até acabar na garganta, onde me sufoca. No fim deixa um bem estar infinito e também um prazer insatisfeito, além de confusão mental e corporal.

Alguns chamam esta sensação de borboletas, ou contrações musculares. Ou mesmo amor.

Mas, para mim, é mais adequado chamá-la pelo o seu nome.

Fragmentados

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O que dizer sobre nós dois? Somos tão imperfeitos que perdemos o significado diante das muitas palavras que poderiam nos descrever. Tentamos nos compreender fixando os olhos no presente, mas um jorro do vazio nos afoga; o mesmo vazio que chamamos de amor e que tentamos preencher com a companhia um do outro. A sincronicidade das nossas vidas descolore o mundo, contudo, os tons preto e cinza sempre se adequaram à perversidade humana. Somos perversos? Talvez. Mas também temos a decência de não cairmos na hipocrisia. Eu não quero que nos apaixonemos, quero somente o seu corpo enquanto ele ainda me atrai. Quero que me mate a cada instante e finja que deseja o meu bem. Espero que me leve ao seu inferno, tão ambíguo quanto seus escritos que nunca entendo. Não existe nenhum caminho para a felicidade, porém se existisse ele desembocaria em sua alma. Mas a felicidade é só uma arma usada contra nós para nos ferir no futuro, e possivelmente quem irá me ferir é você.


Ariana M.
in Fragmentados

K. e L.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

 Bom dia, senhor K., trouxe os seus remédios.

Enquanto a enfermeira depositava a bandeja na mesa de cabeceira, K. sentou-se  na beirada da cama, mal-humorado. Mas não pôde deixar de notar o nervosismo da moça, que tremia um  pouco. Olhou atentamente para ela, desconfiado:

 O quê que há, garota?

Sorrindo, ela disfarçou seu estado.

 Nada, senhor K. O doutor Caio já vem te ver.

Quando a enfermeira saiu, ele tomou os remédios com asco e começou a ler o jornal da manhã. Na coluna social, viu uma nota que o regozijou: sua biografia, lançada uma semana atrás, estava no topo dos mais vendidos.

 Toma essa, L.   disse para si mesmo, mas sua felicidade desvaneceu assim que lembrou do outro. Largou o jornal ao ouvir batidas na porta. Era o médico.

K. lhe indicou a cadeira de vime e o jovem médico limpou a garganta.

 Senhor K.  embora mais controlado que a enfermeira, havia uma sombra em seu semblante –,  infelizmente vim lhe trazer uma má notícia. Como sabia, o estado do paciente L. era delicado. Você é o único elo dele aqui na casa de repouso, portanto achei que devia te contar primeiro. L. faleceu esta manhã, em paz. Nós sentimos...

K. deixou de escutar. Desde que L. mudara de quarto, sabia que ele estava mal. E quando esconderam a situação dele, adivinhara que definhava.

Levantou-se da cama antes mesmo do jovem terminar o assunto. Pegou a bengala e seguiu para a porta.

 Ok. Vou para o pátio  disse.

O doutor afastou-se para ele passar, um pouco espantado com sua frieza. Porém, já acostumara-se com essa indiferença, por isso só suspirou e voltou aos seus afazeres.




A manhã estava úmida. K. sentou-se num banco vazio, pensando no que aconteceu: enfim se livrara do seu rival. Há décadas ele ficava em seu caminho, atrapalhando seus planos de dominar o mundo. A partir do primeiro contato, tornaram-se inimigos jurados. Salvar a humanidade era fácil, mas, para destruí-la, era preciso conhecê-la. E esse conhecimento podia fazer um homem escurecer por dentro. K. sentia-se assim e por vezes L. tentava salvá-lo de si mesmo, o que o deixava possesso por sua bondade.

K. nunca conseguiu dominar o mundo, mas tentou até esgotarem suas forças. Também tentou vencer L., fosse por inteligência ou força. Conseguia vezes sim, vezes não. Era um duelo equilibrado. No final, ambos se aposentaram e foram para uma casa de repouso, por coincidência a mesma. Ainda tiveram diversos confrontos, como o de lançar a biografia simultaneamente para ver quem vendia mais. K. percebia agora que eram essas disputas que os mantinham sãos. A relação dos dois, embora antagônica, mostrava-se totalmente dependente. Precisavam um do outro para continuarem sendo herói e vilão.

K. olhou o céu, saindo da imensidão de lembranças. Certamente, L. fora o melhor rival que poderia ter tido.




Se passara alguns dias desde a morte de L. K. estava sentado na cadeira do quarto, vendo velhos recortes de jornais da época de vilão. O telefone tocou e ele atendeu sem pressa.

– Alô?

 K., você já viu os jornais?  era seu agente, em tom urgente.  As vendas do livro do L. dobraram.

Apesar de desejar estar exasperado, um sorriso tomou seu rosto. O desgraçado do L. reagira.

Resenha: S. Bernardo - Graciliano Ramos

quarta-feira, 19 de junho de 2013




Autor: Graciliano Ramos
Editora: Record
Páginas: 272 p.
Publicação Original: 1934

Um homem de alma agreste

Esse talvez foi um dos livros mais sinceros que já li. Isto porque o protagonista e narrador, Paulo Honório, desfia sua vida de modo direto e duro, sem se ater a descrições minuciosas. São digressões de um homem forçado a escrever, para quem sabe entender-se.

Depois de tentar construir o livro com uma divisão de trabalho entre ele e seus amigos, o que não traz resultados satisfatórios, Paulo Honório ouve o pio de uma coruja e decide recomeçar a escrita, levado por uma força quase mística.



Tenciono contar a minha história. Difícil. Talvez deixe de mencionar particularidades úteis, que me pareçam acessórias e dispensáveis.(...) De resto isto vai se arranjando sem nenhuma ordem, como se vê.
(pág. 11 e 12)

Assim, Paulo Honório nos conta sua vida. Ele teve uma infância e adolescência difícil, trabalhando no eito. Seu único desejo era se apossar da fazenda S. Bernardo, o que conseguiu à base de algumas trapaças. Até certa parte do livro, ele narra como conseguiu a fazenda, sua luta para cultivar as terras e as discussões políticas da época.

Os personagens secundários aparecem constantemente, mas não têm uma grande importância. A história gira em torno de Paulo Honório, de S. Bernardo e dos pensamentos do protagonista. E, como ele próprio explica, há fatos suprimidos, pois Paulo escreve o que acha interessante.

Na outra parte do livro, conhecemos mais a fundo sua rotina familiar. Paulo casa-se com Madalena, uma professora, com o intuito de formar uma família. Ela, uma mulher inteligente, logo vê as injustiças sofridas pelos empregados da fazenda. Quando Madalena tenta mudar a situação, seu marido não entende. Ele não aceita mudanças, seu meio sempre foi aquele: o patrão sempre pôde tudo. Sua rudeza foi causada pelo ambiente.

Tudo piora ainda mais quando Paulo Honório começa a desconfiar que Madalena o trai. A dúvida (imaginária) passa a atormentar a ambos e as pessoas que os rodeiam. Nesse período nasce seu filho, por quem ele não sente absolutamente nada.

Paulo Honório afasta todos e termina sozinho, o pio da coruja a acompanhá-lo. O retrato que traça de si é triste. A ironia é que ele, que sempre achou os livros desnecessários, escreve para poder acabar com a solidão dos 50 anos. E quando revê sua existência e todos os seus erros, percebe que só restou um vazio.



O que estou é velho. (...) Cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta casca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada.
(pág. 216)







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