Breves constatações sobre o meu amor (como e por que)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

 A Jefferson Luiz Maleski
                                                                                           
O que eu adoro em ti, é a vida
                       Manuel Bandeira



Eu te amo como amo ler, ou escrever ou acumular livros em minha estante
Eu te amo como amo assistir algum filme antigo ou ouvir uma música antiga
Eu te amo como amo ir a qualquer biblioteca
Eu te amo como amo cantar enquanto faço algo
Eu te amo como amo a risada curta do meu pai
Eu te amo como amo uma chuva calma no fim da tarde
Eu te amo como amo ficar ao sol, sentindo seus raios e fingindo estar na praia
Eu te amo como amo todas as personagens literárias que me cativaram
Eu te amo como amo um aperto de mão, um abraço, um beijo
Eu te amo como amo deitar-me no chão frio e olhar o teto e as paredes
Eu te amo como amo inventar minha solidão
Eu te amo como amo as pequenas e grandes coisas que me fazem feliz
Eu te amo como amo exagerar meu amor em um poema


Eu te amo porque você também gosta de ler, ou escrever
E é inteligente, criativo, diferente, animado e tudo o mais
Eu te amo porque você ri com tanta facilidade, tanta alegria
Eu te amo porque você é o lobo-mau-não-tão-mau
Eu te amo por causa da sua desenvoltura, do seu desembaraço
(Você é a pessoas mais desembaraçada que conheço)
Eu te amo e te admiro pela sua sinceridade, seus elogios e suas palavras. Você sempre sabe o que dizer
Eu te amo porque você me inspira confiança e me ensina (e ajuda em) muitas coisas
Eu te amo porque você me escuta, presta a atenção em mim (na maioria das vezes) e compreende um pouco minhas loucuras
Eu te amo porque você me dá ânimo, coragem
Eu te amo porque você é o único que acha que ser estranha é legal
Eu te amo porque você é um grande homem e um grande amigo e não rirá dessas declarações
Eu te amo porque com você eu posso ser eu, pois você me conhece o suficiente para me aceitar
E, principalmente, eu te amo porque seria difícil não amar  embora eu nunca tenha tentado

(16-02-13)

Órion

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

 
Segundo os pais, Órion era um bom garoto; estudioso, sempre arrumava o quarto, ajudava o pai na oficina. Entretanto, ele tinha um pequeno problema: vivia no mundo da lua.

Sem autoria

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Toni Casadura cochilava em sua banca, ao som de uma bossa nova. Ao seu redor, camelôs ofereciam a altos brados os produtos, atrapalhando seu sono. Ele, enfim, abriu os olhos e bocejou, percebendo um garoto magricela na sua frente. Despertou de imediato.

– Olá! Em que posso ajudar? – usou a voz macia de negócios.

O garoto, de uns 17 anos no máximo, fixou o olhar nas mãos. E murmurou:

– Eu queria uma poesia.

– Quê?

– Eu queria uma poesia.

– Um pouco mais alto, meu filho.

– EU QUERIA UMA POESIA – o menino berrou, enrubescendo em seguida.

Toni sorriu:

– Ah! Já sei. Para alguma pretendente?

– Mais ou menos – o garoto sussurrou. Toni pediu para ele sentar-se numa cadeira dobrável ao lado da banca.

– Então, vejamos – o vendedor animou-se. – O que vai ser? Poesia de amor, de alegria, de amizade?

– Eu queria… Uma declaração de amor.

Toni pegou seu caderno de amostras e ofereceu-lhe ao cliente. Enquanto o garoto olhava-o, foi tagarelando sem parar:

– As poesias são todas originais, de minha autoria. Tem de todos os gêneros e de todos os gostos. Também trabalho com crônicas, contos e artigos, se se interessar. Ei, qual é mesmo seu nome? Augusto? O meu é Casadura, Toni Casadura; já ouviu falar sobre mim? Ah, sim, viu o anúncio no jornal. E para quem é a sua poesia? Áurea? Um bonito nome. Já escolheu? Foi rápido. O preço? Deixa eu ver, cada poesia custa 2 paus.

Augusto então mostrou a poesia que escolhera:

Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra…

Toni sorriu, aprovando a escolha, e suspirou que aquela era uma das melhores poesias que já escrevera. Foi transcrevendo a poesia em um papel azul, com letras caprichadas. Enquanto isso, o jovem, nervoso, olhava para os lados, enroscando uma nota de dois na mão.

Quando ia receber o pagamento, Toni deu outro sorriso exagerado. O garoto tinha as pálpebras demasiadamente abertas e já abria seus lábios, mas foi interrompido por um grito:

– Toni Casadura, você está preso!

Toni, tão logo viu o policial, preparou-se para correr, mesmo sem saber o motivo. No entanto, foi pego por outro homem fardado, que o algemou. Algumas pessoas pararam a gritaria de preços e observaram a cena, boquiabertos.

– Eu?! Preso?! Por quê?!

Os dois policiais trocaram olhares. O que agarrara Toni era gordo e o que emitira a ordem de prisão, alto e magro como uma vara. Ambos carregavam um cassetete novo e brilhante.

– Por uso indevido da poesia – o magro respondeu. – Estamos na sua cola há dias, Casadura. Graças ao nosso espião, temos provas conclusivas contra você.

Augusto, o espião, não falou nada. Sentia-se meio culpado. Toni o xingou intimamente.

– Esse crime não existe! Eu não fiz nada de errado. Quem são vocês? Quem? – o vendedor quase chorava.
O magro, que parecia ser o porta-voz, falou:

– Somos a FBL, Federação Brasileira de Literatura. Esse órgão é novo, daí sua ignorância. Lutamos pelos direitos autorais dos escritores.

– Mas eu não fiz nada de errado! – Toni repetiu. – Todo mundo uma vez ou outra parafraseia um verso!

– Sim, e não podemos impedir isso. Mas podemos impedir tipos como você, que além de plagiar e enganar o cliente, ainda cobra o serviço. E depois esse mesmo cliente usa o poema como sendo de sua autoria, formando um ciclo vicioso! Estamos cortando o mal pela raiz, seu marginal!

Toni remexia-se, tentando inutilmente se livrar das algemas.

– Foi só dessa vez, juro! Normalmente sou eu mesmo quem escrevo. Por favor, por favor!

– Soldado, leve o meliante para a viatura – o policial magro dirigiu-se ao gordo, que deu um aceno e tirou Toni do meio dos camelôs.

O policial que ficara deu um tapinha amigável nas costas de Augusto.

– Bom trabalho – disse, antes de ir atrás do seu parceiro.

Augusto ficou sozinho na frente da banca por uns instantes. Depois, pegou do chão o poema do Toni – de Neruda, na verdade – e o enfiou no bolso. Áurea ia gostar.

Budapeste, de Chico Buarque

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013



Trechos selecionados do livro Budapeste, de Chico Buarque.
 
Por um segundo imaginei que ela não fosse uma mulher para se tocar aqui ou ali, mas que me desafiasse a tocar de uma só vez a pele inteira. Até receei que naquele segundo ela dissesse: me possui, me faz amor, me come, me fode, me estraçalha, como será que as húngaras dizem essas coisas? Mas ela ficou quieta, o olhar perdido, não sei se comovida pelo meu olhar passeando no seu corpo, ou pelo falar pausado no idioma dela [...]. E eu também me comovia, sabendo que em breve conheceria suas intimidades e, com igual ou maior volúpia, o nome delas.
(pág. 46) 

Duas pessoas não se equilibram muito tempo lado a lado, cada qual com seu silêncio; um dos silêncios acaba sugando o outro.
(pág. 61) 

Houve um tempo em que, se tivesse de optar entre duas cegueiras, escolheria ser cego ao esplendor do mar, às montanhas, ao pôr-do-sol do Rio de Janeiro, para ter olhos de ler o que há de belo, em letras negras sobre fundo branco.
(pág. 96) 

De tanto me devotar ao meu ofício, escrevendo e reescrevendo, corrigindo e depurando textos, mimando cada palavra que punha no papel, não me sobravam boas palavras para ela.
(pág. 106) 

Tive a sensação de haver desembarcado em um país de língua desconhecida, o que para mim era sempre uma sensação boa, era como se a vida fosse partir do zero.
(pág. 155) 

Minha cabeça já alçava vôo, meus pensamentos vinham em verso.
(pág. 165)






Design e código feitos por Julie Duarte. A cópia total ou parcial são proibidas, assim como retirar os créditos.
Gostou desse layout? Então visite o blog Julie de batom e escolha o seu!