Não parece tão
difícil trabalhar somente uma vez por ano. Um único dia no mês, 24 de dezembro.
Normalmente, as pessoas folgam nessa data. Não eu. E o que faço de simples não
tem nada.
Sou o papai Noel. A
alegria das crianças. O bom velhinho. Você deve estar pensando: papai Noel não
existe, que papo furado é esse? Mas existo. Sou parte de uma Organização que,
por alto, visa reavivar a solidariedade. Criada há séculos, estende-se por
quase todo globo. Cada país tem um representante, porém os membros vieram de um
mesmo berço: clãs e famílias finlandesas.
O Brasil associou-se
muito depois da criação da União Natalina. O meu tatatata não sei das quantas
fixou-se aqui e então “surgiu” o natal brasileiro. Já perdi a conta dos papais
noéis que haviam antes de mim, o único que conheci foi o que substituí. Ele não
morreu, como é o habitual: acusaram-no de pedofilia, teve que ser afastado. O
velho não tinha filhos, por isso fui tirado às pressas de meu emprego de
gerente para ocupar esse importante cargo. Estou nessa há mais de 10 anos. Ao
contrário do que o povo imagina, não sou velho nem gordo. Acabei de completar
42.
Moro numa mansão em
Itatiaia, no Rio. Se não fosse o clima e os perigos que passo no meu emprego,
até viveria bem. Entretanto, meu gene é acostumado ao frio da Finlândia. Só vou
lá durante as reuniões bianuais, para discutir as condições trabalhistas e
saber dos novos patrocinadores.
Foi na Finlândia
também que fiz o curso para aprender a arrombar portas. Já houve casos de
papais noéis abatidos no trabalho, pois o proprietário da casa pensara que
estava sendo assaltado ao invés de presenteado. Por essa razão deixamos de usar
o vermelho berrante e passamos ao preto.
No início da
Organização, os próprios papais noéis fabricavam os presentes. Mas a demanda
dobrou e de uns tempos para cá temos que comprá-los. E como vocês conseguem
tanta grana, é a sua pergunta. Simples: patrocínio. Na década de 1930
conseguimos o apoio da Coca-cola e a partir daí fomos atrás dos nossos
direitos. Reivindicamos a nossa parte de tudo que é reproduzido e tem por
símbolo o papai Noel. Ou seja, muita coisa. Também começamos a receber uma
comissão. Quem trabalha de graça é relógio.
Agora, no século XXI,
houve uma mudança crucial: as crianças não querem mais carrinhos e bonecas.
Pedem video-game, celular, câmera fotográfica, Iphone. Acham que sou o papai
Noel (Hô hô hô). Graças ao aumento do mercado natalino, é possível atendê-los.
Isso quando não me pedem a paz mundial e a igualdade social, como se eu fosse Deus.
No mais, compro tudo pela internet com um descontão.
O natal é um negócio
capitalista, disso não há dúvida. Vários setores investem e lucram com ele. O
que não é uma surpresa neste mundo em que as fontes de lucro tornaram-se
imprescindíveis. Eu, confesso, também aproveito. O dinheiro que é destinado aos
milhões de crianças não é justamente aplicado. Isso porque há os que não creem
em nós e também os analfabetos. E sem cartinha não tem presente, não posso
adivinhar quem é bom ou mau. A grana que sobra vai pro bolso do papai aqui.
A meia-noite da
véspera de natal é cansativa. As renas não sobreviveram ao calor brasileiro e
os duendes negaram-se a vir. Faço tudo sozinho, numa van, nas poucas horas que
possuo. Uso meus dons marginais para adentrar as casas das crianças boas, deixo
o presente e procuro o biscoito. Não são muitas as casas que contêm esse
quitute, os pais não acreditam no papai Noel, embora não saibam explicar a
origem do presente. Fingem que compraram, na ilusão tão típica deles.
Depois do serviço,
volto para minha mansão e assisto o final de algum filme ruim. Desse dia em
diante, estou livre para voltar a ser o empresário enternado que sempre fui,
até o próximo natal. Às vezes, quase esqueço-me do motivo dessa comemoração.
Quando lembro, o tão mencionado –
mas raramente praticado – espírito natalino envolve-me e acendo uma velinha,
cantando monotonamente um parabéns-pra-você.
Hyvää joulua!
Texto excelente, não identifiquei o autor ou autora. Papai Noel? Hahaha!
ResponderExcluirIsto que vens do coração és consagrados, mas cuidado com os peixinhos eles devem aprender a ter seus sonhos realizados e muitos são taão simples como um estudo mais aprofundado naquilo que interessa ao seres dicipoluss e não esqueceis de dar ferramentas para que eles semeiem. Isso é caridade... E não que essa versão sejas em vão pois muitos precisão realmente de água e pão.
ResponderExcluirAbraços
Amei esse texto, daria perfeitamente para trabalhar em sala de aula com os alunos..rsrs. E o Natal é isso mesmo.. uma forma de induzir ao consumo, um modo capitalista que busca no emocional e na sua razão de ser o incentivo ao consumismo.
ResponderExcluirBeijos.
Voce escreve muito bem! Parabéns!