Reflexos de ontem à noite

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Qual a forma mais prática e eficiente de se morrer nos dias de hoje? Você corta os pulsos, toma algum veneno, se entope de remédios ou usa uma arma? São vastas possibilidades, e eu não sei escolher a melhor para mim, embora há dias viva nesse dilema. Enquanto planejo meu suicídio, tento escrever meu último texto, aquele que talvez me alçará a uma fama póstuma. Mas, como vem acontecendo há meses, não consigo escrever nada relevante. Nem mesmo um bilhete de despedida.
Bem, por hora, não posso me suicidar. Minha vontade de redigir um texto que me desafie é maior que a de morrer. De qualquer jeito morrerei um dia, não preciso me preocupar. Não posso sair do mundo sem deixar um legado que me orgulhe. Agora, a melhor coisa a fazer é dormir para clarear minhas ideias. Tenho certeza que amanhã surgirá algo.
Depois de dormir por uns 20 minutos, o telefone me acorda.  Meia-noite em ponto. Amaldiçoando a pessoa, atendo.
Alô? Sim. Sim. O que aconteceu? Não entendi, acalme-se. Tá bem. Estou indo já para aí. Tchau.
Era a vizinha do meu irmão. Não quis me dizer nada pelo telefone, estava histérica. Corri para a minha moto e atravessei a cidade o mais rápido possível, pensando no que devia ter acontecido. James era o único familiar que me restara, apesar de não mantermos muito contato. De vez em quando eu visitava ele e sua esposa no domingo e assistíamos o futebol, ou conversávamos trivialidades sobre minha eterna condição de desempregado. Quando mamãe morreu, pareceu mais difícil convivermos sem um constrangimento tangente. Isto porque nunca gostamos um do outro, o que talvez causasse sensação de estranheza em todos que nos conheciam e percebiam a hostilidade de cara. Para eles, gêmeos tinham que se vestir iguais e serem amiguinhos. Mas a verdade era que apenas nos suportávamos.
Quando cheguei, todas as luzes da casa estavam acesas. Um carro patrulha encontrava-se estacionado na calçada. Ao abrir a porta, tudo pareceu muito surreal. A esposa de James chorando no sofá, abraçada com uma velha gorda (provavelmente a mulher que me ligou), um policial de pé, sem expressão, o cachorro do casal uivando. Aquilo não fazia parte da minha vida.
Jonatan! Oh meu Deus, Jonatan!, Cristina, a mulher de James, chorou mais quando me viu. De repente eu quis sumir, ou pelo menos trocar de identidade. Ainda não entendia a situação, mas já podia supôr pelo desespero na sala.
Ela logo se esqueceu de mim e afundou nos braços gordos da outra. Acho que me ver não era bem o que ela precisava no momento. Me virei para o policial, à procura de informações, já que Cristina não tinha condições de dá-las.
O que houve com James?
O policial me lançou um olhar triste.
Sinto muito, meu filho. Seu irmão… seu irmão está morto.
Parei de respirar por um minuto. Sabia que era algo com ele, mas me pegou totalmente de surpresa. James não tinha nem 30 anos.
Como assim?
Sua mulher o encontrou morto no porão, duas horas atrás. Ele se matou com um tiro na cabeça.
Tremi com essas palavras. Suicídio? Como era possível? Eu vinha pensando nisso… e foi ele que… Como era possível?
O policial continuava me olhando, então voltei a fazer as perguntas necessárias.
Ele não deixou nenhum bilhete, carta?
Ele deixou um papel com um texto escrito. Não soubemos identificar o que quis dizer, está um pouco confuso. Mas pelo o que a sra. Cristina me disse, não havia motivos para o suicídio. Falou que ele estava até mais feliz esta semana. Mas creio que o senhor já sabia disso, claro, é irmão do sr. James.
O policial pareceu sincero ao dizer as últimas palavras. Claro que eu não sabia quase nada da rotina do meu irmão, que dirá seu estado de espírito. Neste momento mesmo não me sentia exatamente mal pela morte dele. Só muito surpreso.
Você acha que pode ter sido assassinato?, perguntei, porque assim não soaria tão estranho.
Não creio. O casal só tinha uma chave do porão, que foi usada por James. A arma era dele e não há sinais de arrombamento ou violência.
Agradeci o policial e pedi para ver a tal história que James escreveu. Ele me indicou a mesinha ao lado do sofá e fui até lá. Cristina dormia serena quando me inclinei sobre ela para alcançar o papel, ao seu lado.
Era um texto curto, mais um rascunho. Li num instante e depois reli e reli. Sem ninguém ver, guardei o papel no bolso, para copiar em casa.
James escrevia melhor do que eu.



4 comentários:

  1. Você me pergunta de onde tiro inspiração, mas sou eu quem retorno a pergunta porque você sempre me surpreende. Fico encantada contigo.

    Um Beijo.

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  2. Achei muito envolvente e criativa a maneira como você montou a história, principalmente a última frase, que deixa em aberto o que se seguirá. Parabéns.

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  3. Nossa,adorei,você tem um super talento e escreve MUITO bem! Parabéns.


    Amizades,verdadeiras ou falsas ? http://sentimentosviciantes.blogspot.com.br/2013/08/amizadesverdadeiras-ou-falsas.html
    Retribuo comentários e seguidores,com carinho, beijos.

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  4. Seu texto é muito bom Elaine!
    E esse, especificamente, foi bem tenso pra mim, acho q nunca tinha lido nd sobre suicídio assim, ficou muito bom!
    Bjs
    http://acolecionadoradehistorias.blogspot.com

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