Os demônios

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Seus olhos procuravam a igreja, mas ele já sentia onde ela estava. Apertava impaciente o crucifixo em seus dedos, no mesmo ritmo dos seus passos: um aperto, um passo. O crepúsculo lançava sombras no rosto rude, tornando-o, com isso, mais indecifrável. Ao virar uma esquina, avistou o prédio que procurava. Uma igreja permeada de escuridão, como se demônios soprassem sobre ela.

Minha alma está muito perturbada... Voltai, Senhor, livrai minha alma... Ele pisou na gasta escadaria. Gritos vinham de dentro. Embora as portas estivessem abertas, era quase impossível discernir o que acontecia, parcas velas iluminavam o ambiente. Rapidamente, entrou. Poucas pessoas sentavam-se nos bancos e não perceberam sua chegada. Somente choravam.

Levantai-vos, Senhor, na vossa cólera, erguei-vos para me defender... Havia uma menina no altar. Encontrava-se descalça e com as roupas em farrapos. Chutava impiedosamente uma mulher, provavelmente sua mãe. Quando o notou, parou a violência. E sorriu para ele com seus dentes vermelhos.

Tenha Deus piedade de nós e nos abençõe... Aproximou-se dela, com calma. Ele sabia o que a garota se tornara, sabia que podia detê-la. Era tudo uma questão de como fazer; o demônio era fraco, apesar da pandemia que causou naquele bairro.

O homem tirou a mulher do altar e a colocou num banco qualquer. As pessoas, que antes choravam, agora rezavam, os olhos fechados. A menina não mostrou interesse em seu salvamente, só sorria, superior.

De repente, ela o supreendeu. Mas não muito.

Eu sei o que você quer. Não conseguirá. Nunca.

Mesmo com suas palavras arrogantes, notava-se certo temor em sua voz. Ela o reconhecera, afinal.

Você sabe que vou.

Ele concentrou-se em sua mão. Em seu crucifixo. Saiu do lado da mulher e voltou para o altar, onde ficou novamente frente a frente com o demônio. Seus dedos sangravam, gotas vermelhas que pouco importavam. Começou a falar em latim.

A menina parou de sorrir. A igreja tremeu por instantes e ela agarrou-se a ele, tentando calá-lo. Mas o homem também era forte. Repelia os golpes, duros demais para ser de uma criança, e o Poder que ela lhe lançava, utilizando o próprio corpo e as palavras.

Seu filho da puta! Como sua boca imunda conseguiu proferir latim?

 
Como a luz, fará brilhar a tua justiça; e como o sol do meio-dia, o teu direito. Os golpes ficaram mais fracos. O demônio atacava a esmo; intimamente, compreendeu que tinha perdido. Este homem não era um simples homem, ponderou. A ladainha dele continuava e o último verso saiu dos seus lábios tal qual veneno.

O latim é como qualquer língua. Mas parece que vocês, Inferiores, não aguentam umas palavrinhas sagradas, ele falou ao demônio que ofegava. Afastou-se do corpo, que enroscara-se ao seu durante a luta.

Então, uma treva oblíqua deixou o corpo da menina, ante o olhar assustado das pessoas lamuriosas. Algumas desmairam. O homem curvou-se até ela.

Está em paz por enquanto, disse a todos.

Pegou a menina nos braços e preparou-se para ir embora. Os presentes nem deram por isso, achavam-se em estado de choque, de demência. A mãe dela só os fitou, sem ver, e voltou a chorar. O homem passou por eles, sem pressa, e saiu da igreja. Na esquina jogou o crucifixo fora.

O receptáculo de um demônio. O último item para o meu ritual.

(Autor: Heitor Villa, meu alter ego sinistro)



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