Aquela cidade era um bom lugar para viver e para morrer. Lá, as pessoas viviam longamente e morriam pacíficas, de velhice, em suas camas. Armando Jiménez não nascera em Pilar, mas morava nessa cidade há mais de 50 anos e sabia que logo logo a morte bateria sua porta. Estava no sofá, cansado, artérias doendo, quando ela chegou.
Primeiro escutou duas batidas ritmicas na porta. Ele não conseguia levantar-se, então pediu para a pessoa entrar, a porta estava destrancada. Armando surpreendeu-se ao ver quem era: um homem negro, de meia-idade, que mancava. Não o conhecia e julgou que era um mendigo.
– Desculpe, aqui não tem nada para o senhor. – falou.
O homem não ouviu, ou o ignorou. Sentou-se numa cadeira ao lado do sofá e o olhou o pequeno cômodo com atenção. Jiménez morava sozinho, num barraco diminuto. Além da sala em que estavam, havia um quarto com cheiro de mofo, um banheiro e a cozinha em que fazia seus macarrões istantâneos.
– Não escutou o que eu disse? – Armando repetiu, incomodado com o exame e sem forças para expulsá-lo.
Dessa vez o homem pareceu escutá-lo. Virou-se para ele e mudou o foco do olhar para o seu rosto. Como se tivesse a vista ruim, Armando pensou.
– Você é Armando Jiménez? – ele perguntou, a voz rouca e quase imperiosa.
– Sim... E quem é você?
O negro sorriu, se desculpando.
– Perdão, não me apresentei. Eu sou o seu pior medo.
Armando riu. O cara entrava na casa dele, agia como se fosse o dono, e ainda fazia piada. Ora, faça-me o favor.
– O que, um carvão que manca? Nunca tive medo disso.
O homem parou de sorrir.
– Acho que devemos ter medo do carvão quando ele se alia ao fogo.
Jiménez tossiu. Droga de dor nas costas. Até a respiração falhava. Pegou a jarra de água que estava ao seu lado e encheu um copo.
– Você está me ameaçando? Eu nem te conheço.
– Não é uma ameaça. – o outro começou. – Estou aqui para cumprir um dever, e só.
De repente Armando soube que estava em perigo. Um suor viscoso desceu pela sua testa, consequência do súbito medo e da porcaria do mal estar. Sem tirar os olhos do homem, enfiou as mãos na calça, procurando o telefone celular.
– Sr. Jiménez... Isso não vai adiantar nada. Não vim lhe fazer mal. Foi você mesmo quem se maltratou... Achou que ia viver eternamente?
– Eu vou chamar a polícia, seu desgraçado! – e digitou furiosamente o número da emergência.
Nesta hora o homem levantou-se. Aproximou-se do sofá e tocou Jiménez de leve, bem no coração. Armando, então, sentiu uma dor aguda, mas rápida, e um segundo depois já estava inconsciente.
***
Quando acordou, sentia-se leve... Todas as amarras que o prendiam foram rompidas. Ele sorriu... Mas saiu dos seus devaneios assim que viu o homem ainda ao seu lado.
– O que você fez? Eu não sinto nada!
O negro bocejou, com o claro intuito de irritá-lo.
– Você está morto, Jiménez. Eu sou um ceifador, libertei sua alma do seu corpo.
Armando compreendeu finalmente. Estava morto, morto. E não preocupava-se com isso. Mas achou uma falta de respeito engarregarem a um negro sua morte. Depois de todos os serviços que prestara aos cidadãos, às almas? Era inadmissível.
– Algum problema? – o ceifador adivinhou seus pensamentos.
– Só acho que a própria Morte devia ter vindo me buscar. Quero dizer, não tenho nada contra você, mas certamente...
O ceifador interrompeu a reclamação.
– Olha, a morte não é uma pessoa, como você pensa. A morte é somente o que te aconteceu agora. E eu estou aqui para ajudar; se não quer minha ajuda, tudo bem. Quem vai vagar perdido pelos mundos dos mortos não sou eu.
Jiménez se levantou. Resolveu deixar sua aversão para mais tarde e aceitar a única ajuda disponível.
– Quem irá me enterrar? Agora a cidade perdeu o coveiro. – ele comentou, mais para si mesmo que para alguém.
O ceifador fez um gesto de descaso. E pilheriou:
– Pode deixar, você não estava mais apto para o serviço. Não satisfazia ao Outro Mundo, por isso está morto. Vão achar alguém em pouco tempo, alguém que não tenha tantas dores e não seja tão gordo.
Tição filho da puta.
'Amigo, estou aqui.'
Há 13 anos